Arlette Fleury Teixeira, de 89 anos, entrou no consultório do seu
oftalmologista, em Belo Horizonte (MG), para uma corriqueira consulta.
Mas após três minutos de diagnóstico, a aposentada viu a sala em que
estava se tornar um palanque político. Irritada e insatisfeita com a
velocidade do atendimento, ela se encaminhava para deixar o consultório
quando ouviu: “A senhora vai votar em quem, dona Arlette? Dilma ou
Aécio?”. A pergunta deu início a um período de 10 minutos de
argumentação. “Até avisei que já não voto há anos só para ele parar”,
relata Arlette.
Com dificuldade na fala, a idosa, que já não é obrigada pela Justiça
Eleitoral a ir às urnas por ter mais de 70 anos, define o encontro como
“muito esquisito” e esclarece que nunca discutiu política com o médico
em outras consultas. “Ele passava as letras tão depressa. Eu não tinha
tempo para ler o que estava na minha frente”, reclama. O depoimento de
Arlette, no entanto, é o exemplo claro do inédito engajamento da classe
médica nas eleições presidenciais, em grande parte a favor do candidato
do PSDB, Aécio Neves.
As manifestações dos profissionais da saúde nas eleições eclodiram nas
redes sociais. No Facebook, por exemplo, a velha polarização PT versus
PSDB ganhou forma com a criação das páginas Médicos com Aécio e Médicos com Dilma,
com 33 mil e 13 mil curtidas, respectivamente. A primeira chega a ser
usada como vitrine com fotos de médicos e estudantes de medicina, que
decoram os tradicionais jalecos brancos e roupas cirúrgicas com adesivos
pró-tucano no ambiente de trabalho.
Trazer o assunto eleitoral aos corredores das clínicas e hospitais
(públicos ou privados) pode gerar desconforto nos pacientes, que não
necessariamente compartilham a posição política do médico, muito menos
procuram um pronto-socorro com a intenção de debater as eleições
presidenciais. A prática é defendida, no entanto, pela cardiologista C.,
fundadora a página Médicos com Aécio, que pediu para não ter o
nome revelado por medo de perseguição eleitoral. Segundo ela, médicos
são eleitores comuns e querem se manifestar.
“O pessoal está usando adesivos, bótons e faixas nas grandes cidades,
onde o médico é um na multidão. O médica, o técnico de enfermagem, o
fisioterapeuta é um cidadão, um eleitor normal. Ele vai usar [adesivos]
aonde? Se for assim uma pessoa que trabalha na biblioteca não poderia
usar. O hospital é imaculado?", questiona C., que atua na rede do
Sistema Único de Saúde (SUS) do Mato Grosso do Sul.
Questionada sobre o uso de material de campanha em salas de
exames e cirúrgicas, como exibiram alguns profissionais nas redes
sociais, C. aposta que os adesivos “provavelmente são retirados após as
fotos”. Já o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB),
Florentino Cardoso, classifica os registros como falsos. “Imagino que
sejam montagens”. Para ele, os profissionais que querem se manifestar
nessas eleições devem fazê-lo dentro dos limites das leis brasileiras. E
minimiza ainda o que chama de uma conversa informal com um paciente e
que "confia no julgamento do doutor".
"Se o doutor José está no
consultório dele, que ele paga, pode decidir usar uma camiseta do Aécio
Neves. Em períodos eleitorais, é muito comum os nossos pacientes
perguntarem: 'doutor, o senhor vai votar em quem? ou 'doutor, eu voto em
quem?'. Temos que respeitar a liberdade das pessoas”, justifica.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) foi procurado pelo iG
para avaliar a postura dos médicos em campanha dentros de hospitais e
clínicas. "Entende-se que o médico pode expressar seus posicionamentos
como todo cidadão e membro de qualquer categoria profissional, desde que
respeitados os limites legais", explica a entidade por meio de nota do
setor de imprensa.
O texto relembra ainda uma decisão do Tribunal
Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE-MT), divulgada em 2009, sobre a
presença de veículos adesivados em estacionamento de um órgão público. A
Justiça, segundo o CFM, se manifestou como sendo “direito
constitucional assegurado a todos a livre manifestação do pensamento,
principalmente no que tange à escolha de nossos representantes”.
Mais Médicos e a revolta da categoria
O
discurso é uníssono entre os médicos pró-Aécio ouvidos pelo reportagem:
a aplicação do programa Mais Médicos, um dos pilares do governo Dilma
Rousseff (PT), candidata à reeleição, foi o estopim para despertar a
revolta e o descontentamento da categoria. Com o objetivo de alocar
médicos em regiões com carência desses profissionais para melhorar o
atendimento básico, o programa gerou muita polêmica, especialmente pelo
envolvimento de um grande contingente de médicos estrangeiros.
Desde que as regras do programa foram anunciadas, entidades
médicas criticaram a eficiência dos exames de avaliação dos
contratados. O Revalida, ao não ser aplicado a estes médicos não
comprovaria o conhecimento dos estrangeiros, segundo a AMB. Além do
cenário conflituoso, uma declaração da presidente parece ter incendiado a
relação da presidente com a comunidade médica.
Em abril deste ano, de acordo com reportagem do O Globo,
Dilma explicou que os médicos cubanos são mais requisitados pelos
prefeitos por serem “mais atenciosos que os brasileiros”. A fala gerou
reação oficial do Conselho Federal de Medicina (CFM), que divulgou uma
carta aberta considerando o episódio como uma “agressão direta e
gratuita”.
Para Cardoso, presidente da AMB, o governo federal
“tenta demonizar e responsabilizar” os médicos brasileiros pela
qualidade da saúde pública, adotando ainda uma “política de
agressividade e desconstrução da classe” com o Mais Médicos. A
cardiologista e administradora da página Médicos com Aécio concorda com a AMB e aponta Dilma como responsável por 'criar uma lenda' de que médicos brasileiros são elitistas.
“Somos
muito mal vistos pela população. O povo acreditou nessa lenda que foi
criada de que médico é elitista, que só gostamos de atender os ricos,
que não pensamos nos pobres e que não somos humanitários”, desabafa. E
continua: “Vamos dizer que 'Deus me livre e guarde' Aécio Neves perca. A perseguição da classe vai ser implacável.”
Do site IG
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