segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Projetos levam esperança ao campo

João Vital
Dificuldades persistem: aos 77 anos, dona Raimunda faz seis viagens por dia em busca d’água
Dificuldades persistem: aos 77 anos, dona Raimunda faz seis viagens por dia em busca d’água


A chuva não molha o chão faz tempo. E o sol, feito um braseiro, maltrata tudo que é ser vivente. A paisagem do semi-árido potiguar nunca foi tão hostil, mas também o momento nunca foi tão alentador. Em muitas comunidades socioeconomicamente vulneráveis – dessa e de outras partes do Rio Grande do Norte – os moradores estão deixando apenas de sonhar e ter fé e passando a ver perspectivas reais de melhorar de vida. E isso sem precisar mudar de lugar; apenas trabalhando e produzindo com o que tiram da terra e de suas tradições. 

Um dos principais catalisadores dessa mudança de cenário – senão o principal – é o projeto RN Sustentável, que com recursos do Banco Mundial deve injetar no interior do Estado, nos próximos cinco anos, 540 milhões de dólares. O dinheiro será usado para ajudar grupos produtivos organizados em associações e cooperativas a desenvolver e escoar sua produtividade.

De uma maneira geral, os investimentos serão feitos na contratação de assistência técnica, na compra de equipamentos, em treinamento profissional e consultoria voltada para a melhoria da logística e comercialização dos produtos. 

A equipe técnica do projeto, formado por técnicos de dez secretarias do Estado, fez uma radiografia dos grupos produtivos do RN, levantando a quantidade e identificando os tipos e suas principais dificuldades, e é a partir desse diagnóstico – inédito – que as ações vão ser desenvolvidas.      

Contempladas nos primeiros editais lançados pelo RN Sustentável, algumas organizações  produtivas já vão poder contar com recursos do Banco Mundial em 2015. Uma delas é o Clube de Mães e Jovens Tereza Celestina Dantas, organização social liderada por mulheres da comunidade Povoado Cruz, em Currais Novos, na região Seridó. 

Há dez anos, o grupo começou a processar, de forma totalmente manual, as frutas produzidas por seus maridos agricultores e transformá-las em polpa. O negócio prosperou. O beneficiamento deixou de ser artesanal, a empresa conseguiu a certificação dos produtos junto ao Ministério da Agricultura (MAPA), mas hoje parou de crescer porque precisa de uma segunda câmara fria para acondicionar a produção. O equipamento será adquirido com recursos da ordem de R$ 280 mil, através do RN Sustentável, e é com ele que a miniagroindústria de polpas poderá quase triplicar sua produção, passando dos 4.000 quilos atuais para 10.000 quilos.

A Associação de Mini-produtores de Córrego e Sítios Reunidos (AMPC), localizada  no Sítio Córrego, em Apodi, a 10 km da sede do município e  a 75 km de Mossoró, foi outro grupo que teve seu projeto selecionado.    

A associação foi constituída em 1993, com o objetivo de estruturar e organizar os agricultores familiares de Córrego e comunidades vizinhas para o desenvolvimento da produção agrícola, particularmente o aproveitamento da castanha de caju. Possui 212 associados, sendo 80 mulheres e 40 jovens, todos envolvidos com a cultura do cajueiro. Em sua sede, há uma unidade de beneficiamento de castanha, mas que atualmente não está funcionando devido à baixa produção dos cajueiros, afetados pela seca, e também porque falta uma máquina para automatizar o corte da castanha – última etapa da linha de beneficiamento do produto.

A marca, a associação já tem – Terra Firme – e também os outros maquinários, adquiridos com recursos da Fundação Banco do Brasil. O corte é feito de forma artesanal, um processo lento, pesado e insalubre, para o qual é difícil encontrar mão de obra. “Não tem quem faça esse serviço”, diz Luiz Eujânio Jeracino, presidente da associação.   

Com os recursos aprovados junto ao RN Sustentável, no valor de R$ 330.000, a AMPC vai comprar a máquina de corte de castanha, ampliar o galpão de estoque e investir na renovação dos pomares, hoje bastante envelhecidos.  

Problemas de financiamento atingem 26% das entidades


Para poder atuar junto aos grupos produtivos, a equipe do projeto RN Sustentável precisou, antes, saber quais e quantos eles são, onde ficam, o que fazem e os problemas que enfrentam. Com essa finalidade, fez o mapeamento das organizações sociais e produtivas existentes no Estado. O estudo, inédito, foi publicado em forma de revista na última quinta-feira (18) mostra que 26% das organizações têm dificuldades de financiamento e 42% não têm qualquer assistência técnica.  

Segundo o mapeamento, há 2.513 organizações sociais e produtivas no RN, sendo 2.479 associações e 34 cooperativas, distribuídas em dez territórios. Deste universo, apenas 424 desenvolvem alguma atividade produtiva atualmente, o que representa 17% do total de organizações mapeadas. Sessenta e uma estão em locais onde não há fornecimento de energia, e a maioria deseja algum financiamento para adquirir máquinas e equipamentos.

“Nós estamos lidando com um projeto de desenvolvimento que envolve a parte de inclusão produtiva e social, o fortalecimento das cadeias produtivas prioritárias, que são a agricultura familiar e os empreendedores da economia solidária, nossas comunidades mais pobres, mais fragilizadas”, diz a gerente executiva do RN Sustentável, Ana Guedes.

Produtores têm dificuldades de comercialização


A Associação Comunitária Terra Prometida, localizada no assentamento Oziel Alves, no município de Mossoró, a 30 km do centro urbano e na altura do Km-10 da BR 304, vive principalmente da fruticultura irrigada, com água retirada dos poços, alimentados por dois aquíferos abundantes. O problema lá está na comercialização. “Produzir, a gente sabe. O que falta é organização para  comercializar”, diz a assentada Diana, que está convencida de que não precisa trocar o campo pela cidade em busca de sobrevivência. “Essa terra é fértil e dá tudo que a gente precisa”.  

O RN Sustentável vai ajudar os produtores com assistência técnica, na elaboração de planos de negócios e, provavelmente, com a construção de um packing-house coletivo (galpão para o beneficiamento dos produtos cultivados). O total de recursos é R$2.100.000, sendo R$ 350 mil o valor máximo para cada organização.

No assentamento Ursulina, em Caraúbas, a 18 km do centro urbano, o problema é a falta d’água. As 43 famílias que lá vivem são obrigadas a retirar água em baldes de duas cisternas que são abastecidas por carros pipa. 

A distribuição é racionada. Cada família só tem direito a cinco baldes por dia. A cisterna maior e mais antiga, de 40 mil litros, fica a maior parte do tempo no cadeado, e só é liberada das 5h às 8h e das 16h às 18h. As casas possuem cisternas, mas elas dependem da chuva. Como há muito tempo não chove, estão secas. Há 14 anos ninguém ali sabe o que é tomar um banho de chuveiro. As casas nem sequer têm torneira. 

Aos 77 anos, dona Raimunda do Vale Bezerra faz, diariamente, umas seis viagens até a cisterna pra encher a lata d’água que ela leva de volta pra casa equilibrando na cabeça. “É muito sofrida a vida aqui por causa desse problema, mas vai melhorar com o projeto”, diz a senhora.

O projeto que ela se refere é a instalação de uma miniadutora  de 4 km para levar água até a agrovila. Também está prevista a ampliação da caixa d’água. As obras serão custeadas com recursos do Banco Mundial, por meio do RN Sustentável. 

Editais já lançados


Edital 1 - Selecionadas 160 Manifestações de Interesse, 10 delas nos territórios de
Assu/Mossoró, Agreste, Litoral Sul, Seridó, Sertão Central e Sertão do Apodi. Recurso para cada subprojeto: R$ 175 mil
- Total: R$ 28 milhões 

Edital 2 - Selecionadas 9 propostas em empreendimentos solidários, 41 na categoria empreendedor coletivo, com 14 em lista de espera. Recurso para cada subprojeto: R$ 280 mil 
Total: R$ 10.760 milhões

Edital 3 - Bandas Filarmônicas para Juventude. Apresentadas 58 Manifestações de Interesse e 45 subprojetos aprovados. Recursos para cada projeto: R$ 90 mil 
Total: R$ 4,050 milhões

*O repórter viajou para visitar os projetos a convite do RN Sustentável   


Da tribuna do Norte

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