Documentos fornecidos por determinação judicial, a partir de ações cautelares que tramitam na 2ª e na 3ª Varas Cíveis de Mossoró, revelam que computadores de gabinete da prefeitura de Mossoró e da Reitoria da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern) foram utilizados na prática de crimes virtuais.
Das duas entidades, conforme dados originalmente fornecidos pela empresa Google Brasil, saiu o maior número de atualizações do Blog do Paulo Doido, espaço virtual criado às vésperas das eleições de 2010. O título é alusão depreciativa à imagem de um cidadão bastante conhecido que sofre de problemas mentais.
A conclusão se deu por meio da resposta dada à Justiça pelo provedor Velox, indicando, no caso da prefeitura, que o sistema do blog foi diversas vezes acionado da assessoria de comunicação do Palácio da Resistência, há poucos metros da sala de trabalho da prefeita Maria de Fátima Rosado Nogueira, “Fafá”.
As movimentações na Uern, que tem provedor próprio, foram denunciadas em dezembro pela Google. Apesar do controle rígido do sistema de informática, ao qual os usuários só têm acesso mediante uso de nome e senha, a instituição de ensino desobedeceu à ordem do magistrado para informar quem utilizou suas máquinas a fim de cometer delitos. Ora afirmando não possuir condições técnicas, ora dizendo que o fará, mas não com todos os detalhes indicados.
As atualizações do blog nas repartições públicas podem levar o Ministério Público a entrar com uma ação civil pública. Os implicados podem ser acionados por prevaricação e improbidade administrativa.
GRUPO
O "Blog de Paulo Doido" foi criado em 18 de fevereiro de 2010. Sua saída do ar ocorreu em 13 de julho do mesmo ano, coincidentemente na data em que a Justiça mandou o Google apontar os autores.
A extensa lista fornecida pela gigante da Internet, que servirá de base para futuras ações nas esferas cível e criminal, mostra que as manutenções não eram feitas apenas por uma pessoa.
Tratava-se de um grupo de servidores comissionados da Prefeitura de Mossoró, lotados na Gerência da Comunicação, que arquitetaram a ferramenta com a finalidade de atacar políticos adversários da prefeita Fafá Rosado e jornalistas que criticam a atual administração.
Tratava-se de um grupo de servidores comissionados da Prefeitura de Mossoró, lotados na Gerência da Comunicação, que arquitetaram a ferramenta com a finalidade de atacar políticos adversários da prefeita Fafá Rosado e jornalistas que criticam a atual administração.
Além dos próprios, crianças, adolescentes e idosos ligados a eles foram vítimas de achincalhes e graves ofensas morais. Um dos alvos preferidos era o blogueiro Carlos Santos, que, além de tudo, responde a dezenas de processos movidos pela cúpula do Executivo. "Não ligo para o que foi feito contra minha pessoa. O que me revolta é atacarem meus filhos, sendo um menor de idade na época. Um absurdo", lamenta.
A página virtual não poupava ninguém que estivesse em rota de colisão com os interesses do Palácio da Resistência. Uma idosa foi ridicularizada por enfrentar problemas de saúde. Uma recém-nascida acabou exposta à execração pública, inclusive com exposição de sua fotografia. Uma mãe de família foi rotulada com expressões pornográficas impublicáveis.
Os documentos entregues à Justiça pelo provedor Mikrocenter atestam diversas postagens feitas no contrato de Pedro Carlos Lopes Pinheiro, “Pedro Carlos”. Jornalista com portaria na Prefeitura de Mossoró, para atuar como assessor de imprensa, diretor executivo do jornal Correio da Tarde, onde também escreve a coluna "Notas do Correio", ele já havia sido denunciado em reportagem da revista Papangu, no final de fevereiro.
Logo após o assunto vir à tona, Pedro respondeu atacando os autores das ações judiciais, por meio do seu blog particular. Contou também com a defesa do jornalista José Neto de Queiroz, “Neto Queiroz”. Colunista da Gazeta do Oeste, consultor de comunicação da Prefeitura de Mossoró, dono de agência de propaganda, professor da rede estadual de ensino licenciado, assessor de imprensa do deputado estadual Leonardo Nogueira (DEM) e diretor da Agecom da Uern, na época em que o blog apócrifo estava no ar.
Os dados enviados pela Velox apontam para atualizações também feitas pelo contrato de que Neto Queiroz é usuário.
O terceiro integrante do grupo também identificado pela Velox é o gerente executivo da comunicação da Prefeitura de Mossoró, contabilista Ivanaldo Fernandes, que atuou como webmaster, profissional responsável pela concepção da arquitetura de sites na Rede Mundial de Computadores.
Ainda existem atualizações realizadas em lan houses de Fortaleza e Aracati, no Ceará, e de empresas de Mossoró que serão notificadas para identificar os responsáveis diretos pelos delitos virtuais.
Em Natal, a Cabo Telecom apontou acessos no contrato em nome de Bruna Freire Salem de Miranda. O endereço é o de um apartamento no condomínio Vila Romana II, de propriedade do chefe de gabinete Gustavo Rosado, irmão da prefeita. Lá, segundo fontes, mora atualmente um dos filhos do secretário da Cidadania, Francisco Carlos.
A Vivo detectou outras atualizações feitas no blog. O endereço remonta Barueri (SP), cidade onde, por coincidência, funciona a empresa Sanepav, que presta serviços na coleta de lixo à Prefeitura de Mossoró.
Dos sete provedores intimados a fornecer dados de seus usuários, apenas dois, além da Uern, não cumpriram a ordem. São eles: Unotel Telecom S/A e a P & K Administradora e Participações Ltda., este último parceiro da TCM Conect, que, por coincidência, pertence ao reitor da Uern, professor Milton Marques.
Em entrevista ao Blog do Tio Colorau, Milton Marques garantiu que as informações referentes à Universidade serão prestadas. Na mesma ocasião, colocou o blogueiro em contato com o gerente da P&K, Paulo Kroker, que, por sua vez, prometeu empenhar-se para cumprir o mandado. A Unotel permanece em silêncio.
O processo que resultou em todas essas descobertas é público. Qualquer cidadão pode obter informações.
O assunto vem rendendo debates acalorados em torno da liberdade de expressão, que deixa de ser garantia fundamental quando exercida anonimamente. É o que diz a Constituição Federal no inciso quatro do Art. 5º: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato".
Clientes de provedores negam atualizações
Todos os envolvidos foram procurados pela reportagem do O Mossoroense.
Em todos os casos a participação nas postagens do blog apócrifo foram negadas mesmo com as informações repassadas pelos provedores.
O jornalista Neto Queiroz disse que não tinha nada a dizer sobre o assunto. Disse que a sua defesa prévia havia sido publicada na coluna da última sexta-feira. Na nota, ele apela para o benefício da dúvida. "Fui cientificado que atendendo solicitação judicial a Oi Velox informou alguns nomes de proprietários de IPs de atualizadores do referido blog. Entre os nomes informados encontra-se o meu e de várias outras pessoas.
No ofício da Oi Velox, que se encontra com a Justiça, está escrito: 'Cumpre-nos informar que a identificação dos IPs não representa que seus autores tenham sido responsáveis pelos acessos'", alegou.
Mesma atitude foi tomada por Pedro Carlos que indicou o blog de sua propriedade como fonte da resposta. Em um longo texto postado em 2 de março, ele não nega nem assume participação no blog. Se limitou a atacar alguns colegas jornalistas que teceram críticas à prática do anonimato para atacar pessoas e assim como Neto Queiroz apela para o benefício da dúvida:
"O que tenho a dizer sobre isso é claro e simples: eles não têm nada de concreto contra mim. Têm uma suposta identificação de endereços de IPs. Mas quem disse que identificação de IP é prova definitiva? Qualquer neófito do direito sabe que um IP pode ser forjado com interesse de incriminar alguém".
O gerente executivo de comunicação Ivanaldo Fernandes disse que ele e a Prefeitura de Mossoró desconhecem que esse fato tenha acontecido nas dependências do Palácio da Resistência. Ele afirma que aguardará ser notificado. "Não tenho conhecimento sobre as informações. Não tive acesso a estes dados e não me pronuncio até ser notificado", disse.
A TCM Connect, quando procurada pela reportagem, informou que não recebeu orientação a respeito do caso. Portanto, não iria se pronunciar.
Em nota, Uern diz precisar de mais detalhes
Procurada pela reportagem, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern) se pronunciou a respeito do caso por meio de nota.
A instituição se colocou à disposição para prestar esclarecimentos: "A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN - em virtude de notícias veiculadas na Internet, envolvendo o Nome da Instituição no caso "Blog do Paulo Doido", esclarece que os dados fornecidos a partir do Google, constante no ofício enviado pela 3ª Vara Cível da Comarca de Mossoró, recebido pela Universidade no dia 02 de dezembro de 2010 e devidamente respondido no dia 09 de dezembro de 2010, não deixa claro o tipo de serviço utilizado (página de busca, rede social, blog, correio eletrônico, barra de ferramentas, etc.) dificultando qualquer tipo de análise mais aprofundada.
A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte reprova qualquer tipo de crime praticado na Internet, seja ameaça, ofensa, injúria ou difamação feita a qualquer pessoa física ou jurídica.
A UERN não recebeu nenhuma outra notificação com dados mais detalhados, mas reitera que está à disposição para colaborar com a Justiça.
A UERN tem sempre procedido com muito rigor em todas as situações em que algum servidor ou prestador de serviço a ela vinculada, é envolvido por ilegalidade. Caso a Justiça aponte acusados neste caso, não será diferente".
Apesar das explicações da Uern a notificação da Justiça é clara ao solicitar, baseada em dados fornecidos pelo Google, que a Universidade identificasse qual foi o servidor que por meio de login e senhas atualizou o "Blog de Paulo Doido" por meio de um IP específico num determinado horário.
Uma fonte garantiu à reportagem que desde que o assunto veio à tona um dos computadores da Agecom parou de ser utilizado.
Fonte: Jornal O Mossoroense
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