Em Miracema do Tocantins (TO), numa enorme fila de espera para
recadastramento do Bolsa Família, uma dona de casa diz à Folha, mesmo
repreendida pelas colegas: "Parte da renda lá de casa eu não conto pra
eles [funcionários da prefeitura]. Sem esse dinheirinho, a gente não
conseguiria nem comer".
A dona de casa tem cartão do Bolsa Família e, como outros 13,8 milhões
de famílias beneficiadas no país, teve de declarar a sua renda mensal
para ter acesso ao programa.
As declarações de renda são registradas no Cadastro Único, banco de
dados nacional das famílias de baixa renda utilizado por Dilma Rousseff
para erradicar a miséria --uma das principais bandeiras da presidente
para tentar sua reeleição em 2014.
O cadastro é coordenado pelo governo federal e abastecido pelos municípios.
Quem aparece nesse cadastro com renda mensal de até R$ 140 por pessoa
tem direito ao Bolsa Família. Acima disso, fica fora do programa.
No Tocantins, essa dona de casa só conversou com a reportagem sob a
condição de anonimato. Mas relatos de subnotificação de renda não são
incomuns.
Na fila, ela estava sentada ao lado da manicure Roseana Aquino, 34, que
diz ter sido cortada do cadastro após declarar renda acima do limite.
Agora ela tenta retomar o benefício. "É que o garoto [filho] está
ficando cego de um dos olhos. Preciso de ajuda", diz.
Na última quarta (20), em Miracema do Tocantins, já passava das 14h e
ninguém da prefeitura havia aparecido para atendê-los. A primeira da
fila, Neusa Silva, 50, dez filhos (cinco deles atendidos pelos programas
sociais), havia chegado às 10h. No mural de avisos, um papel apontava o
início do expediente: 12h.
Na cidade, toda a operação de recadastramento das famílias pobres é
acumulada pela coordenadora do Centro de Referência de Assistência
Social, Meirevalda Santos.
Além de haver uma única funcionária para 1.800 beneficiários do Bolsa
Família, não há os chamados entrevistadores, aqueles que deveriam fazer a
fiscalização "in loco" das informações de renda prestadas pelas
famílias, para comprovar a situação.
Naquele dia, faltaram até os formulários de preenchimento dos cadastros,
documentos que seriam enviados pelo Ministério do Desenvolvimento
Social, para revolta da turma na fila de espera.
Apesar da aparente fragilidade do sistema, não há evidência de fraudes
generalizadas no Bolsa Família. O programa costuma ser elogiado por
pesquisadores independentes e já passou por algumas avaliações internas.
Em 2012, a Controladoria Geral da União fez um levantamento para avaliar
a efetiva aplicação dos recursos. Concluiu que apenas 2,4% das famílias
ganham acima da renda declarada.
MESADA
Mesmo quando não há fraude, relatos sugerem como pode ser fácil burlar
as regras do programa. Em Lajeado (TO), com pouco menos de 3.000
habitantes e cerca de 240 famílias beneficiadas, a operadora local do
Cadastro Único, Deusirene de Souza, diz que já chegou a receber uma
proposta de "mesada" de um candidato a beneficiário dos programas.
"Clamaram: 'Pelo amor de Deus, te dou até uma porcentagem do que eu
ganhar'", afirmou. Deusirene recebe um salário mínimo pela função.
A aposentada Bernardina Oliveira, 59, diz que perdeu os benefícios "porque falou uma verdade de momento".
O filho, que é pai solteiro, estava trabalhando na hora do
recadastramento. Mas ficou desempregado logo depois. "Para mim, é
injusto."
Fonte:Uol
Nenhum comentário:
Postar um comentário