Acervo pessoal
Fernando realizou o sonho da avó e a levou para conhecer as Cataratas do Iguaçu
Compartilhar a dor não é sofrê-la no coletivo, é livrar quem dela sofre.
Foi com esse lema que o estudante Fernando Aguzzoli decidiu dividir com
milhares de seguidores a experiência de virar o pai da própria avó e
fazer dessa relação um exemplo de como lidar de forma leve com o
Alzheimer.
Em janeiro de 2013, aos 21 anos, o jovem de Porto Alegre decidiu
largar a faculdade de filosofia e o emprego para passar 24 horas ao lado
da avó, diagnosticada com Alzheimer cinco anos antes. Aos 79 anos,
Nilva Aguzzoli, ou a Vovó Nilva, como ficou conhecida nas redes sociais,
passou a ter o neto como cuidador em tempo integral.
"Desde o início da doença, eu e meus pais sempre cuidamos, mas, em
2013, quando percebi que ela estava chegando a um estágio mais avançado
da doença, pensei que, em breve, ela poderia nem nos reconhecer mais, e
decidi que queria ficar direto com ela. A partir daí, tomei a decisão de
levar tudo na esportiva", conta Fernando.
Em setembro, o jovem teve a ideia de criar uma página no Facebook
onde passou a relatar de forma bem-humorada histórias do cotidiano de
uma família com um membro com Alzheimer. "Sempre busquei informação
sobre a doença e tudo o que eu encontrava era deprimente", conta. Nas
postagens, os esquecimentos da Vovó Nilva viravam motivo de risada.
"Foi superpositivo para mim, para ela e para os meus pais. A
realidade dela era completamente diferente, mas era muito bonita. As
coisas eram lindas, as pessoas não morreram. Quem sou eu para tirar isso
dela?", diz.
E era com bom humor que Fernando enfrentava os desafios diários.
"Quando ela teve de usar fralda pela primeira vez, ficou incomodada.
Então, eu coloquei uma fralda em mim e rimos juntos", conta.
A história acabou atraindo a curiosidade de internautas e a admiração de familiares de pacientes com Alzheimer.
Com o sucesso, Fernando e a avó passaram a escrever um livro que,
além de contar as histórias engraçadas, terá dicas de como a família
pode lidar com diversas situações vividas por um paciente com a doença. A
iniciativa atraiu a atenção de médicos do Rio Grande do Sul, que
participam da publicação com orientações técnicas. O livro deve ser
lançado em setembro.
Vovó Nilva acabou morrendo em dezembro, por complicações de uma
infecção urinária. Apesar da frustração, Fernando decidiu manter a
página na internet, que hoje já tem 15 mil seguidores. "Mantive por
consideração às pessoas que me deram apoio, pela escassez de informações
sobre a doença e, principalmente, porque é uma forma de deixar a minha
avó viva."
Benefício. Posturas como a de Fernando podem até
ajudar a adiar a evolução da doença, segundo Cícero Gallo Coimbra,
professor de Neurologia e Neurociências da Unifesp. "Na maioria dos
casos, a atitude da família é cobrar e repreender o parente nos
episódios de esquecimento. Essa cobrança leva ao pânico e ao estresse,
que bloqueiam a produção de novos neurônios e pioram um quadro de
demência", explica o especialista. "A maioria das famílias deixa o
parente com Alzheimer no ostracismo, e o que ele mais precisa é de
acolhimento afetivo."
E essa foi a missão de Fernando. "Quando eu e minha mãe decidimos
levar a vó para realizar o sonho dela, que era conhecer as Cataratas do
Iguaçu, muitos perguntavam por que íamos gastar dinheiro com a viagem
se, dez minutos depois, ela não lembraria do passeio. Mas, para nós, não
importava se ela lembraria, importava a felicidade que ela teria
naquele momento."
Fonte: Estadão
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