Adriano Abreu

Procurador José Diniz afirma que contrato transferia riscos e custos da produção para o agricultor
Líder nacional na produção de cigarros, a Souza Cruz está impedida de
firmar novos contratos de compra e venda de tabaco no Rio Grande do Norte, sob
pena de multa diária de R$ 10 mil. A decisão liminar da 4ª Vara do Trabalho de
Natal resulta de ação do Ministério Público do Trabalho (MPT/RN), motivada por
denúncia sigilosa que revela fraude trabalhista e situação de trabalho análogo
à escravidão, na região de Brejinho (RN), envolvendo tais contratos.
Para o procurador do Trabalho José Diniz de Moraes, que assina a ação,
“o contrato acabava por transferir todos os riscos e custos da produção ao
agricultor, além de tratar-se de um esquema utilizado pela Souza Cruz com
intuito de ocultar relação econômica equiparada à empregatícia e se furtar das
obrigações trabalhistas e previdenciárias”, conta.
Com a decisão, assinada pela juíza do Trabalho
Anne de Carvalho Cavalcanti, foi reconhecida a fraude na relação de trabalho,
realizada através de contrato bilateral fictício de compra e venda de folhas de
tabaco, que na realidade beneficiava apenas a Souza Cruz e dava margem a
condições de trabalho semelhantes à escravidão. Esse tipo de contrato agora
está proibido de ser firmado pela empresa no estado.
Entenda o esquema - Fiscalização da
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego constatou que a empresa
aliciava agricultores, em Brejinho (RN), para que firmassem os contratos,
iludindo-os com promessas de vantagens econômicas impossíveis de concretização.
Eles eram obrigados a contrair financiamento
bancário no valor de R$ 11.700,00, destinado à aquisição de equipamento de
secagem, que custava R$ 8.700,00, e construção de estufa de alvenaria. Como o
financiamento não era bastante para iniciar a plantação, uma segunda dívida era
contraída, diretamente com a Souza Cruz, para custear os insumos da produção.
Dessa forma, a empresa fornecia tudo, de
sementes até fertilizantes e agrotóxicos, para pagamento na colheita. “Tais
dívidas asseguravam a dependência econômica do agricultor por muitos anos,
chegando a sujeitar os trabalhadores rurais às condições análogas a de
escravos, prática conhecida como servidão por dívida”, explica o procurador do
Trabalho. Conforme apurado, além de intermediar o financiamento, a própria
Souza Cruz vende os insumos, fiscaliza a produção, é também quem classifica o
produto e determina o preço final, para seu fornecimento exclusivo.
“As folhas não eram pesadas em Brejinho, mas na
sede da empresa em Patos (PB), distante e jamais acompanhada pelos
trabalhadores, que reclamavam dos pesos verificados, sempre bem menores do que
o esperado, mas nada podiam fazer para contestá-los”, narra a ação. Resultado:
os ganhos eram inferiores aos apontados em materiais promocionais da companhia,
sendo a produtividade superdimensionada e nunca alcançada na região.
De acordo com o procurador, “os agricultores
praticamente pagavam para trabalhar, com gastos muito mais altos do que os
valores irrisórios recebidos pela venda, fazendo com que trabalhassem apenas
para pagar a dívida contraída e ainda assim sem conseguir nunca o suficiente
para quitar”. Ao relatar o prejuízo sofrido com o cultivo do fumo, uma das
testemunhas contou que deve a agiota, que precisou vender o boi da carroça e
trabalhar por fora, pois faltou dinheiro para pagar os trabalhadores e garantir
o sustento da família, a ponto de passar necessidade, sendo acolhido pelos
pais, enquanto era pressionado pela Souza Cruz.
Atividades
eram prejudiciais à saúde dos trabalhadores
Na ação do MPT/RN, vários depoimentos
confirmam que a aplicação de agrotóxicos era realizada sem treinamento devido e
sem uso adequado de Equipamento de Proteção Individual, cuja distribuição era
insuficiente. “Ao todo, cerca de 10 agricultores trabalhavam no cultivo de um lote,
mas era distribuído apenas um conjunto individual de EPI, e descartável,
portanto, quantitativamente insatisfatório e absolutamente inadequado ao
reuso”, argumenta o procurador.
Além disso, durante a plantação, manuseio e
coleta, as folhas soltavam uma espécie de musgo (seiva), que em contato com a
pele causava irritação e mal-estar, sintomas característicos da doença da
“folha verde”. No processo da secagem, a empresa exigia que a estufa fosse
alimentada com lenha 24h por dia, por aproximadamente 3 dias ininterruptos,
para manter a temperatura elevada estável e garantir a qualidade do produto.
Segundo relatos, as altas temperaturas somadas
aos vapores do fumo e dos agrotóxicos, resultavam em adoecimentos constantes
dos agricultores, vítimas de doenças de pele, gástricas, diarreias e doenças
respiratórias, que repercutem até os dias atuais, bem como de intoxicação,
náuseas, vômito, cólica abdominal, fraqueza, tontura e dores de cabeça.
A ação alerta que em relação à produção e à
qualidade do produto, as exigências eram criteriosas, mas, quando se tratou de
resguardar a saúde e segurança do trabalhador, a Souza Cruz negligenciou
atenção ao treinamento e uso dos EPIs. “Observa-se o desprezo com a dignidade
do trabalhador, exposto a agentes nocivos do cultivo da folha de fumo sem
proteção, o que exige uma reparação”, defende o procurador do Trabalho. A
empresa foi intimada várias vezes para comparecer a audiências na sede do
MPT/RN, mas não compareceu, nem apresentou manifestação.
Diante das irregularidades cometidas, o MPT/RN
pede , na ação, a condenação final da Souza Cruz no valor de R$ 5 milhões pelo
dano moral coletivo causado. Também é requerido o ressarcimento de R$ 100 mil
por trabalhador envolvido, “a título de horas trabalhadas, uso da terra, plantio,
secagem, empréstimos, vendas casadas de produtos agrícolas e fraudes nas
relações de trabalho”, destaca.
Da Tribuna do Norte
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