Jarbas Oliveira/Estadão
Ao lado do marido, pesquisadora Luciana Bertolini segura a cabra Gluca no colo
Nasceu no dia 27 de março, em Fortaleza (CE), a primeira cabra clonada e
transgênica da América Latina. Chamada pelos cientistas de Gluca, ela
possui uma modificação genética que deverá fazer com que ela produza em
seu leite uma proteína humana chamada glucocerebrosidase, usada no
tratamento da doença de Gaucher.
Trata-se de uma doença genética relativamente rara, porém
extremamente custosa para o sistema público de saúde. Segundo
informações levantadas pelos pesquisadores, o Ministério da Saúde gasta
entre R$ 180 milhões e R$ 250 milhões por ano com a importação de
tratamentos para pouco mais de 600 pacientes com Gaucher no Brasil.
As drogas importadas são baseadas em proteínas produzidas in vitro,
cultivadas em células transgênicas de hamster ou cenoura. A proposta da
pesquisa brasileira é produzir a glucocerebrosidase no País, no leite de
cabras transgênicas, a custos muito inferiores ao da produção em
células em cultura.
"Alimentar cabras é bem mais barato do que alimentar células; e o
processo de purificação da proteína é basicamente o mesmo", diz a
pesquisadora Luciana Bertolini, da Universidade de Fortaleza (Unifor),
que é uma das coordenadoras do projeto.
Com pouco mais de duas semanas de vida, a cabritinha Gluca não
apresenta, por enquanto, nenhum problema de saúde. "Ela já nasceu
berrando, superativa, sem qualquer complicação", empolga-se a Luciana,
que trabalha no projeto com o marido, Marcelo. Dentro de quatro meses,
eles já poderão induzir a lactação de Gluca e confirmar a presença da
proteína humana no leite do animal. "Precisamos saber quanto da proteína
está sendo expressa e testar sua atividade biológica", explica Luciana.
Contabilidade. Gluca é o único clone nascido até
agora de um grande esforço de reprodução, que envolveu a transferência
de mais de 500 embriões clonados para 45 cabras receptoras, resultando
em 8 gestações. Ela tinha uma "irmã" da mesma gestação, que morreu logo
após o parto, vítima de anomalias congênitas que são comuns aos clones
de mamíferos, como tamanho exagerado, órgãos aumentados e malformações
cardíacas. Apenas uma das oito prenhezes ainda está em andamento.
O gene inserido no DNA dos animais é uma cópia do gene humano que
comanda a síntese da glucocerebrosidase, acoplado a uma outra sequência
genética (chamada de promotor) que faz com que o gene, apesar de estar
presente em todas as células da cabra, seja ativado apenas nas células
das glândulas mamárias - fazendo com que a proteína seja produzida
apenas no leite.
A construção do gene e do promotor foi realizada pela empresa Quatro G
Pesquisa e Desenvolvimento, instalada no parque tecnológico (Tecnopuc)
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), que
também será responsável posteriormente por purificar a proteína do
leite. Clique aqui para conhecer o método brasileiro.
Se tudo der certo e o leite de Gluca for rico em glucocerebrosidase,
os cientistas poderão usar suas células para fazer novos clones,
geneticamente idênticos a ela, e assim começar a formar um rebanho para
produção da proteína em larga escala, para uso terapêutico.
"Estamos dando o primeiro passo na direção de uma futura terapia de
reposição enzimática para Gaucher", diz a diretora de desenvolvimento da
Quatro G e co-coordenadora do projeto, Jocelei Chies. "O Brasil não tem
nenhuma proteína recombinante (produzida por meio de transgenia) para
uso humano que seja feita aqui."
Nos EUA, uma droga chamada ATryn (antitrombina humana) já é produzida exatamente dessa forma, no leite de cabras transgênicas.
Fonte: Estadão
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