domingo, 12 de abril de 2015

“Ataque cardíaco e derrame matam mais que a violência”

Humberto Sales
Álvaro Avezum é cardiologista e um dos 4 cientistas brasileiros com produção acadêmica de maior impacto no mundo
Álvaro Avezum é cardiologista e um dos 4 cientistas brasileiros com produção acadêmica de maior impacto no mundo

Com um número crescente de pessoas obesas e uma maior prevalência de pressão alta, colesterol alterado e estresse, o panorama na sociedade brasileira é de aumento de casos de doenças cardiovasculares, principal causa de morte no Brasil. Porém, em meio a esse cenário assustador, o cardiologista Álvaro Avezum, nome de destaque internacional na área de cardiologia, acredita que é possível melhorar esse quadro. Considerado pela consultoria Thomson Reuters (2014) um dos quatro cientistas brasileiros com produção acadêmica de maior impacto no mundo em uma lista de 3.215 pesquisadores, Avezum faz a afirmação por apostar em um novo Programa – chamado “25 por 25” - que começará a ser desenvolvido este ano no País. Em Natal para participar como palestrante do XVIII Congresso Norteriograndense de Cardiologia, realizado sexta e sábado passados no Hotel Parque da Costeira, ele concedeu entrevista à TRIBUNA DO NORTE, ocasião em que comentou sobre o Programa e, entre outros assuntos, a associação da espiritualidade com a saúde, um dos temas que estuda.

O senhor veio a Natal falar à comunidade médica e a estudantes da área, portanto tratando do tema sob uma abordagem científica. Mas se fosse falar à população, que informações ou alertas daria? 
As minhas duas apresentações estão focadas no tópico chamado risco cardiovascular, que tem tudo a ver com a população, em qualquer faixa etária. Risco cardiovascular significa o risco de ser acometido por doença cardiovascular ao longo da vida, ou seja, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral. Nesse aspecto, nós podemos dizer o seguinte: as pessoas, às vezes, vêem o evento infarto, que é o ataque cardíaco, ou derrame, que é o acidente vascular cerebral, como sendo algo que deve acontecer na vida. 

E não é?
Não. A maioria dos fatores que aumentam as chances de o indivíduo ter esse adoecimento pode ser modificada. 

Quais são esses fatores?
Tabagismo, pressão alta, diabetes, obesidade abdominal, colesterol alterado, estresse e depressão, falta de atividade física e alimentação não saudável. Se o indivíduo tem esses fatores, sua chance de sofrer um ataque cardíaco é aumentada em até 300 vezes. E quando se trata de derrame, são todos esses fatores mais o fator de risco cardíaco. Às vezes, o indivíduo tem coágulo dentro do coração, tem uma arritmia, e isso aumenta as chances de ele ter derrame. O ataque cardíaco e o derrame são as causas número 1 e 2 de mortalidade no Brasil, mas a população acredita ainda que a principal causa de morte é violência e criminalidade, seguido por acidentes de trânsito, depois câncer e, só depois, doença cardiovascular, quando a cardiovascular é a número 1. 

O senhor falou que os fatores de risco podem ser modificados, prevenindo as doenças cardiovasculares. Como isso é possível?
Com atividade física, alimentação saudável, gerenciamento de estresse. E isso não é a partir de uma certa idade. É ao longo da vida. Esse é um outro conceito que nós estamos difundindo. Não tem que esperar o indivíduo estar na idade mediana ou na meia-idade para começar a prevenção. Começa com a criança no próprio ambiente onde nasce e na escola, para que lá na frente possamos viver o número de anos que está destinado para a gente viver. O que está acontecendo é que as pessoas estão encurtando a expectativa de vida e não só morrendo antes, como ficando incapacitados antes da hora.

Em meio a esse cenário e estatísticas assustadoras, há alguma dado alentador?
O cenário, de fato, não é animador. Se você andar em quaisquer cidades do nosso país, mesmo na zona rural, vai ver que as pessoas estão mais obesas, têm maior prevalência de pressão alta, de colesterol alterado e estão mais estressadas. Então, o panorama da nossa sociedade é de aumento de fator de risco e, consequentemente, aumento da doença cardiovascular. Ao longo de dez anos, houve alguma melhora no nosso país, reduzindo as taxas de doenças cardiovasculares, a mortalidade, especificamente, mas muito mais pode ser feito. Digo isso tudo para afirmar que temos, sim, uma novidade alentadora: um Programa chamado “25 por 25”, que começará este ano no Brasil.

Do que se trata?
É um Programa com a Federação Mundial de Cardiologia, Sociedade Brasileira de Cardiologia e também com setores do nosso Governo, para trabalharmos pela redução da morte por doença cardiovascular em 25% até o ano 2025. Por isso, se chama “25 por 25”. Nós vamos focar em três áreas: cigarro, pressão alta e uso de medicamentos naquelas pessoas que já tiveram um evento, com a finalidade de prevenir um novo evento e reduzir a chance de morte. Vamos atuar nessas três áreas, numa verdadeira coalizão no nosso país – sociedades médicas, associações médicas, associações não-governamentais e o próprio governo – como se fosse uma cruzada pela redução da doença cardiovascular.

O senhor acredita que esse plano possa surtir um grande efeito e mude o atual panorama?
Acredito, mas anos atrás não poderia responder essa questão da mesma maneira. Por que digo isso agora? Nós temos duas bases para acreditarmos. A primeira é que isso já foi feito em outros países com sucesso, sendo, portanto, factível. O segundo ponto que a gente tem é que já há uma confirmação muito sólida de que o trabalho nessas áreas - cigarro, pressão alta e uso de medicamentos preventivos - funciona e impacta positivamente na sobrevida. Tenho, então, a experiência prévia de outros países e uma evidência científica robusta. 

Há muito conhecimento produzido e disseminado sobre as causas/consequências das doenças cardiovasculares. Por que, então, é tão difícil a prevenção?
Aí é que está. Metade disso é correto. Há informação disseminada. Qual a outra metade que ainda não está clara? A população ainda não assimilou o estilo de vida saudável. Do que vale saber que cigarro faz mal, que obesidade é prejudicial, se o indivíduo não muda o estilo de vida? Nós temos que separar o conhecer do assimilar e modificar. 

Qual a relação existente entre espiritualidade e as doenças cardiovasculares?
Tem duas coisas aí. Primeiro precisamos separar quem faz investigação científica e quem é dogmático. Todo indivíduo que tem interesse na ciência não se recusa a investigar nenhum fator. O indivíduo dogmático se recusa a investigar. Então, nós deixamos muito em aberto essa questão da espiritualidade, porque a literatura cada vez mais é abundante para mostrar a associação da espiritualidade com saúde e doença cardiovascular. Mas não estamos falando de religião nem de religiosidade. Espiritualidade tem a ver com as nossas reações, os sentimentos que nós utilizamos na nossa vida de relacionamento em todos os ambientes, domiciliar, na sociedade e no trabalho. Dependendo desses sentimentos e o enfrentamento negativo ou positivo, temos um questionário que avalia a espiritualidade, mesmo no indivíduo sem religião. Independente disso, qualquer um pode ter a espiritualidade avaliada. Aqueles que têm a espiritualidade mais pontuada têm menores chances de adoecimento cardiovascular, adoecimento por câncer e até impacto na sobrevida, mas isso tudo é uma informação promissora. Tudo que é promissor merece ser investigado posteriormente para ser confirmado. Então, nós temos hoje na Sociedade Brasileira de Cardiologia um Grupo de Estudo em Espiritualidade e Medicina Cardiovascular. Chama-se Gemca e tem dois objetivos: a disseminação científica para todos os cardiologistas do país e condição de pesquisa para vermos se o principal motivo do nosso adoecimento cardiovascular antecede todos os fatores que eu listei no começo.

Da Tribuna do Norte 

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